Hoje, profissionais, professores, pesquisadores, cientistas e acadêmicos de todo o mundo estão se reunindo através da Marcha Pela Ciência, um evento global que nos últimos anos tem ganhado força no Brasil. A Marcha ocorre simultaneamente em 15 cidades Brasileiras e é promovida, no Brasil, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Mais de 400 cidades em todos os continentes, sobretudo nos Estados Unidos, onde começou a iniciativa, e Europa, estão participando do evento. Em Manaus o evento está sendo realizado na portaria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). E como pesquisador no campo das ciências humanas, gostaria de manifestar-me através deste artigo.
Entre 2012 e 2015 fui professor vinculado à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas (SECTI), órgão que detinha, dentre outros departamentos, o controle administrativo e financeiro da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM). Como órgão vinculado ao Governo do Estado do Amazonas e com o status de secretaria, a SECTI estava apta a receber o repasse de verbas diretamente do Governo Federal, sem intermédio direto do Estado, mas no primeiro semestre de 2015 a secretaria foi extinta e suas autarquias anexadas à Secretaria do Estado de Planejamento (SEPLAN). A alegação dada pelos governantes foi a de que “havia uma necessidade urgente de se fazer cortes no orçamento para que o Estado pudesse enfrentar a crise”.
Antes mesmo da extinção da SECTI, cerca de 90 dos mais renomados pesquisadores do Estado encaminham uma carta aberta ao governador do Amazonas repudiando a proposta de extinção da mesma (Leia na Íntegra), o que não impediu que a proposta fosse encaminhada à Assembleia Legislativa e aprovada por 16 votos a 5, mesmo sob intensos protestos e vaias.
Não é fácil ser pesquisador no Brasil. O país investe apenas 1,66% do Produto Interno Bruto (PIB) em ciência, tecnologia e desenvolvimento, o que coloca o país em 70º lugar no Global Innovation Index (Índice Global de Inovação). Com um PIB equiparável, a Rússia está 20 posições à nossa frente, ocupando o 50º lugar, com investimentos focados nas áreas aeroespacial e de defesa, água, alimentos, biomas e bioeconomia, ciências e tecnologias sociais; clima; economia e sociedade digital; energia; nuclear; saúde e tecnologias convergentes e habilitadoras. E é difícil acreditar que no Brasil, e mais especificamente no Amazonas, não exista ainda um centro de desenvolvimento científico com infraestrutura preparada para conduzir pesquisas no bioma Amazônia, que representa 40% do território nacional e abriga a maior biodiversidade do mundo.
Acredito que sem ciência não há progresso, tampouco desenvolvimento, saúde e educação de qualidade. Hoje somos reféns de um mosquito que transmite, além da Dengue, os vírus da Zika e Chikungunya. O mosquito evoluiu enquanto nós só observávamos. Isso forçou o país a investir em tratamento emergencial, afogando as filas de hospitais, pronto socorros e postos de saúde, ao invés de focar na prevenção, por meio do desenvolvimento de métodos eficientes que possam evitar, não somente a proliferação do mosquito, como também dos vírus que o mesmo transmite, com vacinas capazes de frear seus mecanismos de ação. A culpa pelos surtos e epidemias de Dengue, como sempre, recai somente sobre a população que deixa água parada em casa.
Portanto, penso que o Estado deva refletir melhor sobre o papel vital que a ciência desempenha na vida de seus cidadãos, bem como na melhoria da aplicação de políticas públicas, de gestão de gastos, na qualidade de vida e no suporte à própria democracia, uma vez que o campo científico não se limita ao campo tecnológico, mas também ao próprio desenvolvimento humano, por meio da observação e questionamentos acerca do mundo que nos rodeia, permitindo-nos compreender, obter respostas, construir, adquirir e compartilhar conhecimento, este que deve ser utilizado para fomentar e incentivar políticas públicas e de inclusão, geração de emprego e renda, desenvolvimento sustentável, reaproveitamento de resíduos sólidos, combate ao desmatamento, despoluição das nascentes de rios e igarapés, preservação da fauna e da flora, essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas e, acima de tudo, para a formação de uma sociedade dotada de pensamento crítico, que em um país cuja corrupção ganhou status de epidemia, não mais conduziria aos mais altos patamares do poder indivíduos descomprometidos com o povo que os elegeu.
“In universa scientia veritas”